Parte II
Não sabemos exatamente quando faleceu Hans, ou João Wagner como era chamado no Brasil. Sabe-se que ele fez testamento em 1835, este testamento existe e eu tenho tentado localizá-lo. Penso que esteja no 4º Cartório de Títulos de Campos e aguardo resposta deles. Existe um outro rastro histórico dele deixado em cartórios campistas, quando em 1836 ele foi protestar um título. A próxima referência que temos é que em 1856, quando a filha Maria Catharina se casou, tanto João como Katharina Wagner já eram falecidos.
Temos relatos detalhados sobre os primeiros Wagner campistas graças às memórias de Mário de Barros Wagner (1907-1967), filho de João da Costa Wagner e Adálgica Ribeiro de Barros, primo-irmão de Vovó Júlia. Mário chegou a conhecer pessoas que trabalharam na fazenda de Delphina Wagner, e que ouviram histórias sobre seus pais. Interessante constatar que ele menciona a origem austríaca da família, assim como dizia Vovó Júlia. Mário diz ser a família suíça de origem austríaca e nós já conseguimos evidência da parte suíça.
João Wagner era o proprietário de uma oficina de ferreiro e construía seges, carruagens para transporte de passageiros. A oficina situava-se no centro da atual Goitacazes, e João era conhecido por seu temperamento irascível e sua recusa em falar o português. Para tratar com clientes, mandava chamar as filhas que ficavam nos fundos da oficina. Passou dificuldades com seu negócio pois o terreno da Planície Goitacá era mais adequado para cavalos, carros-de-boi e canoas do que para seges mais frágeis. Consta que João Wagner bebia muito e nunca se adaptou bem à vida no Brasil, nunca aprendeu o nosso idioma e tinha comportamento errático. Ele faleceu jovem, em 1834.
De duas filhas que chegaram à idade adulta Delphina era a mais velha. Como de costume à época ela ou usava, ou foi registrada em livros paroquiais com um sobrenome devocional, sendo seu nome Delphina Maria de Jesus. Não tenho posse do seu assento de falecimento, mas sabe-se que foi em 1882 aos 58 anos, situando portanto o nascimento em 1824 em São Gonçalo (Goitacazes), logo após a chegada dos pais à cidade. A segunda filha, Maria Catharina, nasceu em 1 Jan 1827 segundo consta em seu assento de casamento. Após a morte do marido, Katharina Wagner segregou-se mais ainda, ela também aparentemente nunca se adaptou ao Brasil. Com isso ambas as moças fugiram com seus pretendentes.
Delphina passou a viver com João dos Santos Oliveira, um fazendeiro viúvo que vivia na Fazenda Senhorana. Não pude me aprofundar na pesquisa documental da história da família dele, que era filho de Francisco de Oliveira Bastos e Maria Duque da Rosa, e tinha por avós paternos José Antônio Pereira de Carvalho e Ana Maria da Conceição. Desconheço se João dos Santos tinha filhos do primeiro casamento mas creio que não. Os únicos herdeiros mencionados em seu testamento são Delphina e o filho.
João e Delphina tiveram o seu único filho no dia 19 Dez 1848 e batizaram-no com o nome de João Wagner dos Santos. O filho foi legitimado com o casamento dos pais no dia 18 Jul 1854 conforme transcrito abaixo:
“Aos desesete dias do mez de julho de mil oitocentos e cincoenta e quatro nesta Matriz de Sam Gonçalo as duas horas da tarde em minha presença, e das testemunhas abaixo asignadas, por palavras de presente, na forma do sagrado Concilio Tridentino, e Constituição do Bispado, e mais leis a respeito, depois de proclamados, e presente o Reverendíssimo Vigário de Vara, o Doutor Conego João Carlos Monteiro na qualidade de visitador, tendo aberto a mesma, se receberam em matrimonio João dos Santos de Oliveira, viúvo de Francisca Joaquina de Jesus, com Dona Delfina Maria de Jesus, naturaes e baptizados nesta Freguesia, filha legítima de João Vagner e Catharina Maria de Jesus, suissos, e logo lhes dei as Bençãos Nupciaes, na forma do Ritual Romano, de que fiz este assento, que assignei – o Vigário Manoel José de Faria – (a) Antônio Alvez Ferreira”.
João dos Santos faleceu quando o filho era ainda pequeno, não muito depois do casamento. Delphina e o filho pouco depois venderam a Senhorana e adquiriram a Fazenda das Pedrinhas e Delphina, que nunca mais se casou, passou a administrar plantação de cana, engenho de roda, destilaria de aguardente, olaria e a exploração de matas em suas terras. Foi ali que João Wagner dos Santos, nosso trisavô, cresceu. Mário Wagner conta diversos casos acontecidos na fazenda que nos dão uma ideia de como era a vida na Fazenda das Pedrinhas, onde o trabalho era duro e o rendimento financeiro pouco. Delphina não sabia ler ou escrever, e o filho também não recebeu educação formal na infância. Ao chegar aos dezoito anos, João quis remediar isto e para tal contratou os serviços de uma tutora, Anália Leonor da Costa Guimarães, filha de conhecida família da mesma freguesia, cerca de cinco anos mais velha que ele.
João e Anália casaram-se em 14 Set 1867. Ele tornou-se Juiz de Paz e exercia outras funções de serviço público na Freguesia de S. Gonçalo, como inspetoria de escolas. Segundo relato de Mário Wagner ele era exímio cavaleiro e era juiz em competições hípicas em Campos. Tiveram os filhos João da Costa Wagner, Alberto, Anna, Alda (mãe de Vovó Júlia), Anália, Carlos, Delphina, Gil, Adauto, Júlio, Otávio, Otto e Maria José. O filho mais velho, João, quando rapazinho foi mandado para a Inglaterra e Escócia para aprender sobre máquinas a vapor, que eram o futuro das usinas de açúcar em Campos e o pai João Wagner queria modernizar o engenho. Na ausência do irmão mais velho, o segundo filho passou a ajudar no engenho toda manhã. Alberto era adolescente, cerca de 13 anos, quando na madrugada de 9 Jan 1882 ele faleceu vítima de um acidente envolvendo uma lamparina a querosene que se quebrou, causando um incêndio e um estampido dos cavalos que moviam a roda da almanjarra. Isto ocorreu mais ou menos na época da morte da avó Delphina. Anália Leonor não mais conseguiu viver na fazenda, na proximidade do engenho onde o filho perdera a vida. A família mudou-se para outra casa, mas cinco anos depois, no dia 7 Dez 1887 ela faleceu, contando com 45 anos de idade. O filho mais velho foi chamado de volta da Europa e nos próximos anos trabalhou junto com o pai para modernizar e reformar o antigo engenho, reavivar o fogo morto. A fazenda contava com algumas poucas reses, o melaço era transferido para a destilaria do Coronel Juca Barros. Temos três casamentos unindo as famílias de João Wagner e Juca Barros: João da Costa Wagner e Adálgica Barros, Miguel Barros e Alda Wagner, Sebastião Barros e Delphina Wagner. Em gerações futuras aconteceram outras uniões e as famílias são muito interligadas.
João passou mais tarde a viver com Eponina da Costa Carvalho, que era mais nova do que algumas das filhas dele. Esta observação sobre a diferença de idade é pertinente pois com Eponina ele teve mais dezesseis filhos, sendo eles Carmen, Guiomar, Sílvio, Délphica, Maria Isabel, Orbella, Aníbal, José Joaquim, Alzira, Maria Catharina, Clóvis Fabiano, Maria da Conceição, Maria de Lourdes, Antônio Francisco, Maria Madalena e Alberto. Os filhos do segundo casamento tinham o sobrenome Carvalho Wagner. Estes filhos foram legitimados com o casamento dos pais em 20 Jul 1920. João Wagner dos Santos teve também dois outros filhos de outros relacionamentos, de nomes Amaro Gomes e José Francisco dos Santos.
A filha mais nova de Hans e Katharina era Maria Catharina, e assim como a irmã mais velha ela iniciou um relacionamento com um homem viúvo, antigo cliente de seu pai, após a morte deste. Tratava-se do francês Jean-François Bérenger, que trabalhava na cidade como relojoeiro, mecânico e bombeiro hidráulico, dono de um estabelecimento comercial. Deste relacionamento nasceram dez filhos: Benedicta Saturnina, Michel, Marie, François Xavier, Jean-Charles, Albert Anastase, Hilarionne Marie, Clara Marie, Marie Irene, e por último uma menina natimorta. Os quatro primeiros filhos nasceram em Campos e o casal oficializou o seu casamento em 12 Mar 1857 na Paróquia de S. Gonçalo. No ano seguinte eles seguiram para a França, onde nasceram os demais filhos. Maria Catharina faleceu em 5 Jun 1868 em Nice. Após isto os filhos e o viúvo retornaram ao Brasil. O filho mais velho tinha com o pai uma relojoaria em Campos. Jean-François Bérenger faleceu em 11 Dez 1877 e seus filhos casaram-se e deixaram descendentes em Campos, assim como os primos descendentes de Delphina, que juntos formam a grande família Wagner de Campos dos Goytacazes.
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